Múltiplas personalidades
- André Cabral
- há 1 dia
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MÚLTIPLAS PERSONALIDADES- Hacking lembra que vivemos uma epidemia de múltiplos nos EUA a partir dos anos 70. Mas como pode um distúrbio real aparecer e desaparecer, tendo seu surgimento apenas em alguns países, sendo inexistente no resto do mundo? Retomemos o protótipo dos múltiplos para iniciar nossa explanação. Nele, encontramos a perda da memória e o abuso sexual infantil. Duas condições razoavelmente necessárias, mas não estritamente universais. Pelo fenômeno, o filósofo investiga os efeitos epistêmicos sobre a ontologia (ser) da doença, uma vez que o sofrimento psíquico interage com as formas interpretativas. Consideremos o caso de Bernice. Ela se lembrava dos inúmeros abusos do pai. Contava a Goddard, mas o médico os considerava como devaneios. Hipnotizava a jovem para que Bernice acreditasse que seriam fantasias. Em suma,a jovem teve a falta de sorte de ter nascido num período em que se foi proibido falar do abuso como uma veracidade-não abordaremos as razões-, sendo os múltiplos impedidos de ser reconhecidos/inventados. Isso porque durante quase cinquenta anos, ocorreu uma obliteração dos casos de abuso infantil nos EUA. É apenas pela Sociedade Humanitária, nos anos 70, que se retomou os abusos infantis. Diremos que Bernice poderia hipoteticamente surgir como múltiplo no exato momento em que o protótipo ressurge como discurso médico/social. Hacking lembra ainda que o próprio abuso sexual não é causa de patologias a priori e per se. Séculos atrás, o abuso poderia ser considerado uma crueldade, mas não precipitador de psicopatologias. É quando o abuso se torna um fato (veracidade) e é igualmente interpretado como causa, que as patologias eclodem. Isso não significa que elas estavam lá e não foram descobertas, mas que não existiam até o momento em que as causas razoavelmente necessárias surgissem. O passado muda tanto quanto nossas memórias, afirma Hacking. Os múltiplos ensinam que diferentemente das doenças biomédicas, as psicopatologias não são indiferentes ao discurso. Isso significa que a contragosto do que gostariam algumas correntes psicológicas e psiquiátricas, não devemos fazer das ciências das memórias uma ciência biológica (André Cabral 28/05/25) (Texto adaptado para Instagram)
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